Rosa Goldenberg Motta e sua preciosa coleção de autógrafos

Os cadernos de Rosa Motta

Camila Molina  / São Paulo/AE

"Nunca pensei que fosse tão fácil matar um marido." Quando o dramaturgo Nelson Rodrigues recebeu um álbum de autógrafos em suas mãos, não escolheu apenas assinar seu nome mas transcrever essa que é uma das célebres frases de sua peça Vestido de Noiva - diga-se, optou por algo mais original, bem de seu espírito de grande frasista. O ano era 1947 e o álbum, um dos cadernos de páginas limpas nos quais a gaúcha Rosa Motta se dedicou a colecionar assinaturas, frases, textos, poemas, dedicatórias, desenhos, o que viesse das ilustres personalidades que encontrou durante décadas - ainda bem que foram poucos (um deles é o escritor Graciliano Ramos) os que somente deixaram seus autógrafos...
Hoje d. Rosa mostra os dois cadernos que guardam passagens de escritores, poetas, dramaturgos, políticos, pintores, artistas dos mais diversos - e é surpresa a cada página. "Tupy or not tupy, that"s the question", colocou Oswald de Andrade, em 1945, a entoada bem-humorada do Manifesto Antropofágico.
"Saudade? Saudade é um navio que vai saindo, é lâmina rasgando o peito devagar...", escreveu o pintor Pancetti na vela de um barco que desenhou com rápidos traços. "Se as lágrimas das mulheres fecundassem a terra/o mundo estaria cheio de crocodilos", brincou o poeta Mario Quintana.
"A idéia era que escrevessem o que quisessem. O Procópio Ferreira (ator), por exemplo, colocou "Viva o Rio Grande do Sul", diz Rosa - "rainha das flores", como a chamou em uma das páginas a escritora Rachel de Queiroz. O compositor Dorival Caymmi colocou um trecho de música: "Você já foi à Bahia, Rosa? Não, então vá" - diga-se, Rosa, "bela Rosa, bela Helena", como também a chamou Monteiro Lobato, foi sempre vocativo fácil para os poetas.
Pode-se dizer que essa é uma daquelas velhas histórias de começar algo despretensioso e depois ter às mãos uma preciosidade (na verdade, duas, porque são dois álbuns e folhas avulsas). Na década de 1940, Rosa Motta entrou na Editora Globo, em Porto Alegre, para trabalhar na seção editorial. Em dias corriqueiros, de trabalho, tinha sempre por perto escritores gaúchos, colegas como os escritores Erico Verissimo e Mario Quintana. Teve, então, idéia de dar início a um álbum de autógrafos.
Como estava imersa no mundo literário, seriam escritores os primeiros das primeiras páginas. "Mas quando apareciam intelectuais por lá, pedia também: tem do Gilberto Freyre, Aurélio Buarque de Hollanda, do jornalista Justino Martins", enumera Rosa. Quem diria, num dia apareceu por Porto Alegre o cineasta americano Orson Welles, o diretor de Cidadão Kane. Rosa, infelizmente, não o viu, mas seu amigo Justino Martins levou o seu álbum para Welles assinar: ele foi conciso, mas cordial, escreveu "Best regards".
Na década de 1950, Rosa mudou-se para São Paulo, transferida pela Editora Globo. Continuou sua coleção. Teve também contato com muitos outros escritores, há poemas inteiros escritos por Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego. As figuras literárias imperam nos álbuns, é verdade - tão bem definiu Moacyr Scliar ao dizer que Rosa Motta é uma "guardiã da literatura brasileira". "Depois me casei (com o marchand Biagio Motta) e parei", conta.

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